sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Sweeney Todd


Meus queridos, vou-vos falar mais uma vez de musicais.

Ao que parece, pelos nicks das pessoas no msn, pelos posters na rua, anúncios no jornal, entrevistas no youtube e televisão, o Musical Sweeney Todd realizado em cinema pelo Tim Burton, numa reconstrucção magnífica de uma Londres no século XIX, está a ser um enorme sucesso. O cenário é extremamente fulminante e os actores de classe mundial. No entanto, trata-se de um musical, e num Musical pedem-se actores que saibam cantar - isto desde Rodgers & Hammerstein com o clássico Oklahoma (que podem ouvir aqui, como banda sonora do blog), pois antes disso procuravam-se cantores de soubessem representar. Saber cantar não basta estar no tom certo, é preciso ter uma boa respiração (de quem não fuma) e uma pujança diafragmática capaz de levar as pessoas às lágrimas. Voltando ao filme Musical que estou a criticar, o actor principal Johnny Depp faz um trabalho razoável enquanto personagem, e um horroso enquanto cantor. Ele canta francamente mal! Credo! Isto para não falar da senhora Helena Carter cujo sotaque cockney só salta cá para fora quando canta. O sotaque é um must, de facto. Caso quiserem assumir o sotaque americano, que o façam, mas hídridos soam sempre mal.

As pessoas que adoram o Johnny Depp podem não perceber, mas experimentem ouvir a voz de outra pessoa a cantar; façam por exemplo uma pesquisa do youtube desta música e verão que é diferente disto. A segunda versão é muito melhor, quer a nível vocal, quer a nivel de construcção de personagem .Se gostarem da versão do filme é porque o Stephen Sondheim é mesmo muito bom. Eu sinceramente gostei do filme, porque consegui ver para além da voz do compositor - que ainda é vivo - mas fiquei arrepiado a ver a versão de palco. Se quiserem, até podem ver o próprio compositor a ensinar a um aluno da Guildhall como cantar a mesma música. Reparem no puro sotaque cockney... até se desfaz na boca!


Por falar em Stephen Sondheim, no espectáculo do passado dia 7 de Fevereiro, apresentámos uma das duas músicas que estivémos para apresentar. Mas dado a desistência de uma das alunas do curso, não podemos fazer a segunda, que seria o Somewhere. Mas, mesmo assim, na semana anterior, uma das alunas que ia cantar o A Boy Like That andava desaparecida e foi cortado o número dela do espectáculo, e pediram-me para treinar a música Maria do mesmo músical, West Side Story, para compensar a perda das outras duas músicas. Já ensaiadinho de fim-de-semana, voltei e ficámos a saber que afinal o A Boy Like That ia ser cantado, pois as raparigas tinham ensaiado muito fora das aulas. Como é de calcular, no espectáculo foi das menos boas, mas notou-se um esforço enorme por parte do dueto, pois é muito difícil cantar Sondheim. Nem sei se cantaria a Maria tão bem como elas cantaram a música delas, por isso correu tudo bem. Como nada do que se aprende é desperdiçado, resolvi adaptar a música para a minha Maria, no meu blog.


Voltando aos actores, o trabalho deles não foi mau, foi muito bom. Apenas não foi excelente, como lhes é exigido. O Johnny Depp continua a mostrar a sua diversidade, arriscando o seu nome, o que me leva a ter um enorme respeito por ele. Continua a aceitar desafios, crescendo como actor e como pessoa. A seguir ao Leonardo DiCaprio, continua a ser o meu actor de eleição. Vejam o filme, aqueles que ainda não tiveram a oportunidade. Aqueles que quiserem ir mais longe, arranjem uma versão de palco, já que esta foi a primeira para cinema.

4 comentários:

Teresa Raquel disse...

Eu sou muito de não experimentar para não me desiludir, quero ver a versão de palco primeiro. Sebem que as músicas já as conheço há tempos...sabe que...

O Pentagrama disse...

Boas.

Sendo apreciador de boas vozes, ouvinte tanto de ópera como de música ligeira, tenho a dizer que talvez nem toda a gente tenha apanhado o twist do senhor Burton (não, não sou fã do Johnny, mas devo confessar que a Helena estava belíssima neste filme).

Vi a versão de palco e temo que talvez não haja maneira de comparar, por serem duas abordagens diferentes. O original é o original, não há nada a dizer, e não acredito que o filme alguma vez queria ter-se parecido com o original.

Passo a explicar.

O tipo de loucura que se vê no Sweeney Todd original (ou no segundo, como nesse brilhante exemplo com George Hearn e Angela Lansbury), não só é puramente feito para o teatro como também incorpora o que chamo "loucura aberta". No palco, Sweeney grita, berra, tem força e percebe-se perfeitamente a sua malvadez. É óbvia.

Como nós sabemos, o senhor Burton é muitas vezes tudo menos directo. Johnny Depp ainda menos. Mrs. Lovett no palco foi feita para contrastar com a voz de Todd, sendo de um cockney pesado e inspirador de uma perfeita falta de classe. Propositado, sem dúvida.

No ecrã, as coisas mudam. Não nos esqueçamos que isto é uma adaptação do musical. Nas mãos de Burton, adorador do neogótico, as coisas ganham uma espécie de finesse, um cariz de sonho bizarro, silencioso à sua maneira, contido, reprimido, do qual suponho que já se tenham dado conta.

Sabendo isto, como poderia Mr. Todd ter "pujança diafragmática"? Como poderia Mrs. Lovett soar a classe baixa sem possuir simultaneamente um ar fino, até na voz?

O musical não é o mesmo, só as canções. Este Todd não é o mesmo, é um mais subliminar; um que em vez de identificarmos perfeitamente como um assassino enlouquecido como no original, nos dá a sensação contraditória de fraqueza.
Se calhar até o entendemos. Se calhar até gostaríamos que ele tivesse ficado com Johanna, ou Lucy. Ou então com Mrs. Lovett. Ficamos com pena quando ele a mata, porque tanto carisma se esvaiu em cinzas por causa de um grito que ela não devia ter dado.

Pronto, vá, essa da pena sou eu. Mas continuo a argumentar com o resto.

Não se pode comparar, não é o mesmo, um é filme, outro é palco, um é Burton a usar Sondheim para os seus próprios significados, outro é Sondheim puro e cru.

Em relação à maneira de cantar devo dizer que a voz de Depp encaixa perfeitamente no tipo de personagem que Burton fez de Todd. Estamos a falar de um Edward Scissorhands que ficou louco. Estamos a falar de um delicadeza, por mais assassina que seja. Já não é um grito de loucura, é um sussurro entorpecido de revolta. E se mesmo assim não gostarem, fiquem com uma frase do próprio Tim Burton: "Mais vale um actor que não sabe cantar do que um cantor que não sabe representar."
Não acredito que não tenham visto todas as emoções com clareza no olhar de Todd no filme. Se não, vão ver outra vez. Eu fui.

Não comparem, porque não dá. São duas coisas completamente diferentes, mundos diferentes. Quem quer entrar no de Burton não pode ter o de Sondheim na cabeça ao mesmo tempo, e vice-versa.

--- Jolly Roger

Balbino disse...

Meu querido Jolly Roger, acho que estás a defender a personagem do Johnny como ele a soube defender.

Na arte há uma coisa básica que resulta sempre, que é "acreditar no que fazes", "sinceridade". E foi isso que o Johnny Depp fez, interpretou à maneira que soube - continuo a achar que é resultado de falta de trabalho - tal como a Helena que ora falava cockney, ora não, ora cantava cockney, ora não.
Isso é prova de insegurança ou pouco trabalho...

No caso de Johnny Depp, como disse, fez como acreditava. Mas acho que ela acreditava na coisa errada. Não se pode tomar um louco cheio de ódio e vingança numa pessoa fraca. Não quer dizer que não se sinta fraca às vezes, mas não seria assim tantas as vezes. O próprio Macbeth também era fraco e foi isso que o fez perder a cabeça (nos dois sentidos).

A interpretação do autor tem de ser respeitada (a chamada análise dramaturgica), apesar de haver várias maneiras de mostrar várias sensações.

Por exemplo o ódio pode ser um olhar ríspido e seco, mas também pode ser um sorriso sedutor, como o actor no filme mostra - e muito bem - ao receber o juíz na sua barbearia.

Sem dúvida que o mérito vai todo para o realizador, que conseguiu inserir os actores que tinha na sua estética "neogótica", como afirmas.

Volto a afirmar que a leitura dramaturgica da peça foi desrespeitada.

Muito obrigado pelo teu comentário, muito enriquecedor e cheio de novas perspectivas. Muito obrigado, querido Jolly Roger!

Chincha disse...

Não conhecia o musical... Fiquei extremamente desiludida com o fim.
Chocada, devo dizer.
Muito previsível..
O que não seria um problema se o Tim lhe adicionasse um quê de intensidade, de drama, de choque, mas não deu.

Foi mais intensa a parte em que a Mrs. Lovett deu com as costas nos tabuleiros que estavam dentro do forno, do que a morte de Mr. Todd himself... Acho que senti a falta de, pelo menos, um apagar de luzes repentino.
(Ainda não estavam a passar os créditos do filme - ainda lá estava o casalinho no chão a esvair-se em sangue - e já as luzes do cinema estavam acesas... Bah!)

Devo dizer que (e diga isso de mim o que disser) concordo com Jolly Roger quando diz que a voz do Johnny Depp encaixa no filme. Julgo a voz do 'dearest' de Burton coerente com a forma como ele encarna Mr. Todd. Se ele puxasse mais pelo diafragma teria que puxar muito mais pela loucura do Sweeney, e acho que só pelos olhares, pelos sorrisos (como tu, Balbino, disseste e muito bem), e subtis expressões que se vão fazendo notar ao longo do filme, percebe-se bem a dimensão da loucura/raiva/obsessão da personagem.
Porque, lá está, é um filme.
Os actores não têm de puxar a voz bem lá do fundo para as pessoas da última fila conseguirem ouvir.
E as expressões que no teatro têm que ser óbvias (ou subtilmente óbvias), no cinema, graças aos grandes planos e a sequências de imagens intensionalmente manipuladas, podem ser tão ténues como se desejar.

Em relação ao cockney de Mrs. Lovett vou dizer, sinceramente, que não reparei nesse pormenor, e por isso não me posso manifestar.

Gosto do estilo 'neogótico' de Burton, e acho que durante todo o filme a imagem é fantástica. Soturna, sinistra, fantasiosa, como se quer.
Achei adorável o sonho de Mrs. Lovett de uma vida à beira-mar.
A imagem de postal do piquenique à sombra daquela gigantesca árvore não lhe fica atrás. É totalmente Tim Burton.

Resumindo: só não gostei mesmo foi do fim... =/